CNH sem autoescola: o que muda no processo de habilitação no Brasil

Nos últimos meses, uma proposta que vinha sendo ventilada em bastidores ganhou força: deixar de exigir obrigatoriamente o curso em autoescola para obter a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) nas categorias A e B.

A ideia é tornar o processo mais flexível, mais barato e menos burocrático, mas, naturalmente, gera debates e questionamentos. Neste artigo, vamos destrinchar o que está em jogo, o que se propõe, os prós, os contras e o impacto para quem deseja tirar a habilitação.

O panorama atual: rígido e caro

Hoje, para qualquer pessoa habilitar-se nas categorias A (motocicletas) ou B (carros), o modelo vigente exige:

  1. Curso teórico presencial com carga mínima de 45 horas-aula;

  2. Aulas práticas em centro de formação de condutores (autoescolas), com pelo menos 20 horas de direção obrigatória;

  3. Provas (teórica e prática) aplicadas pelo Detran ou órgão estadual;

  4. Exames médico e psicotécnico;

  5. Pagamento de taxas diversas inerentes ao processo de habilitação.

Esse modelo já enfrenta críticas por tornar o processo caro: a estimativa é de que tirar uma CNH pode custar, em muitos estados, entre R$ 3 mil e R$ 4 mil.

Em razão desses altos valores, muitos desistiram de iniciar o processo ou recorreram a meios irregulares, dirigindo sem habilitação, um problema grave para a segurança viária. 

O que propõe a mudança (ainda em discussão)

A proposta em análise pelo governo federal não pretende eliminar a exigência de exame, mas alterar como o candidato pode se preparar para ele. Eis os principais pontos:

  • Cursos teóricos facultativos
    Hoje obrigatórios, eles poderiam ser feitos de modo presencial, via autoescola, ou por meio de ensino a distância (EAD) em instituições credenciadas, inclusive com plataforma gratuita da Senatran.

  • Aulas práticas sem carga horária mínima obrigatória
    O candidato poderá escolher quantas aulas de direção tomar, inclusive nenhuma, se julgar que já domina o veículo.

  • Instrutores autônomos credenciados
    Para prestar as aulas práticas, seria possível contratar instrutores autônomos aprovados e cadastrados nos Detrans ou pela Senatran, não necessariamente vinculados às autoescolas tradicionais.

  • Prova mais exigente como filtro
    Com a flexibilização das etapas de preparação, a prova prática (e teórica) deverá ganhar papel ainda mais central como filtro, com critérios mais rigorosos para atestar domínio do veículo e segurança.

  • Redução de custos estimada
    O governo estima queda de até 80% nos valores do processo de CNH, levando o custo estimado para algo entre R$ 750 e R$ 1.000.

  • Consulta pública e regulamentos
    A proposta deverá passar por consulta pública de 30 dias e ser regulamentada via resolução do Contran, sem necessidade de alteração do Código de Trânsito.

  • Prazo estimado de implementação
    Ainda sem data definitiva, a expectativa é que a nova regra entre em vigor até 2026.

Importante destacar: as provas permanecem obrigatórias, assim como os exames médico e psicotécnico. O que muda é a forma de preparação. 

Principais argumentos favoráveis

  1. Maior acesso e inclusão social
    Ao reduzir custos de preparação, pessoas com menor poder aquisitivo teriam mais chance de obter a CNH, ampliando oportunidades de emprego e mobilidade.

  2. Desburocratização e flexibilização
    Quem já sabe dirigir poderia fazer menos aulas, e cada candidato escolheria seu próprio ritmo de aprendizado.

  3. Competição e inovação no setor de formação
    A abertura para instrutores autônomos pode estimular concorrência, redução de preços e modelos novos de ensino.

  4. Racionalização de recursos públicos
    Com menor dependência do modelo físico de autoescolas, pode haver economia de estrutura e melhor aproveitamento de meios digitais.

Principais críticas e riscos apontados

  1. Prejuízo ao padrão de formação
    Para muitos especialistas, a remoção da carga horária mínima enfraquece a garantia de aprendizado estrutural, especialmente para quem nunca guiou. A advogada Fernanda Zucare, em entrevista à CNN, aponta risco de preparar motoristas menos qualificados.

  2. Setor tradicional em risco
    Representantes das autoescolas estimam que até 15 mil unidades poderiam fechar as portas, e cerca de 300 mil postos de trabalho estariam ameaçados.

  3. Incerteza para candidatos e autoescolas
    Mesmo antes de aprovado o projeto, já há cancelamentos de matrículas em autoescolas, com base apenas em anúncios na mídia.

  4. Possível aumento de acidentes
    Críticos argumentam que o ensino obrigatório serve como um filtro educativo. Removê-lo pode levar a condutores com menos preparo nas ruas e rodovias.

  5. Falta de clareza nos detalhes técnicos
    Ainda não estão definidas normas para credenciamento, fiscalização de instrutores autônomos, estrutura de provas e critérios de aprovação, pontos considerados fundamentais para segurança.

O que fazer agora?

  • Fique atento quando for disponibilizada a consulta pública, para acompanhar o texto final da proposta (prazo estimado: 30 dias).

  • Observe como sua autoescola local (ou no seu estado) se posiciona e se prepara para possíveis mudanças.

  • Se você está em processo de habilitação, questione e converse com instrutores ou diretores de autoescola para saber como irão se adaptar.

  • Acompanhe os detalhes da resolução do Contran que irá regulamentar o novo modelo, é nela que estarão as regras efetivas.

  • Avalie com cuidado: mesmo que aulas se tornem facultativas, podem ser muito úteis para quem não tem prática ou domínio natural.

A proposta de tornar facultativa a autoescola na CNH não é apenas técnica, é política, social e simbólica. Representa um olhar para a desigualdade de acesso e uma aposta de que o desempenho no exame seja o filtro mais justo para quem merece dirigir. Mas não é uma aposta isenta de riscos: manter qualidade, segurança viária e proteger aqueles que dependem das aulas como base de formação será desafio central.

O tema é relevante também porque a mobilidade, o trânsito e a habilitação estão diretamente relacionados ao uso inteligente de serviços automotivos. Em um cenário de mudança, quem se antecipar estará mais preparado, e quem acompanhar com olhar crítico poderá compreender melhor os impactos no dia a dia.

Assessoria de Comunicação

October 16, 2025