Nos últimos meses, uma proposta que vinha sendo ventilada em bastidores ganhou força: deixar de exigir obrigatoriamente o curso em autoescola para obter a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) nas categorias A e B.
A ideia é tornar o processo mais flexível, mais barato e menos burocrático, mas, naturalmente, gera debates e questionamentos. Neste artigo, vamos destrinchar o que está em jogo, o que se propõe, os prós, os contras e o impacto para quem deseja tirar a habilitação.
O panorama atual: rígido e caro
Hoje, para qualquer pessoa habilitar-se nas categorias A (motocicletas) ou B (carros), o modelo vigente exige:
- Curso teórico presencial com carga mínima de 45 horas-aula;
- Aulas práticas em centro de formação de condutores (autoescolas), com pelo menos 20 horas de direção obrigatória;
- Provas (teórica e prática) aplicadas pelo Detran ou órgão estadual;
- Exames médico e psicotécnico;
- Pagamento de taxas diversas inerentes ao processo de habilitação.
Esse modelo já enfrenta críticas por tornar o processo caro: a estimativa é de que tirar uma CNH pode custar, em muitos estados, entre R$ 3 mil e R$ 4 mil.
Em razão desses altos valores, muitos desistiram de iniciar o processo ou recorreram a meios irregulares, dirigindo sem habilitação, um problema grave para a segurança viária.
O que propõe a mudança (ainda em discussão)
A proposta em análise pelo governo federal não pretende eliminar a exigência de exame, mas alterar como o candidato pode se preparar para ele. Eis os principais pontos:
- Cursos teóricos facultativos
Hoje obrigatórios, eles poderiam ser feitos de modo presencial, via autoescola, ou por meio de ensino a distância (EAD) em instituições credenciadas, inclusive com plataforma gratuita da Senatran.
- Aulas práticas sem carga horária mínima obrigatória
O candidato poderá escolher quantas aulas de direção tomar, inclusive nenhuma, se julgar que já domina o veículo.
- Instrutores autônomos credenciados
Para prestar as aulas práticas, seria possível contratar instrutores autônomos aprovados e cadastrados nos Detrans ou pela Senatran, não necessariamente vinculados às autoescolas tradicionais.
- Prova mais exigente como filtro
Com a flexibilização das etapas de preparação, a prova prática (e teórica) deverá ganhar papel ainda mais central como filtro, com critérios mais rigorosos para atestar domínio do veículo e segurança.
- Redução de custos estimada
O governo estima queda de até 80% nos valores do processo de CNH, levando o custo estimado para algo entre R$ 750 e R$ 1.000.
- Consulta pública e regulamentos
A proposta deverá passar por consulta pública de 30 dias e ser regulamentada via resolução do Contran, sem necessidade de alteração do Código de Trânsito.
- Prazo estimado de implementação
Ainda sem data definitiva, a expectativa é que a nova regra entre em vigor até 2026.
Importante destacar: as provas permanecem obrigatórias, assim como os exames médico e psicotécnico. O que muda é a forma de preparação.
Principais argumentos favoráveis
- Maior acesso e inclusão social
Ao reduzir custos de preparação, pessoas com menor poder aquisitivo teriam mais chance de obter a CNH, ampliando oportunidades de emprego e mobilidade.
- Desburocratização e flexibilização
Quem já sabe dirigir poderia fazer menos aulas, e cada candidato escolheria seu próprio ritmo de aprendizado.
- Competição e inovação no setor de formação
A abertura para instrutores autônomos pode estimular concorrência, redução de preços e modelos novos de ensino.
- Racionalização de recursos públicos
Com menor dependência do modelo físico de autoescolas, pode haver economia de estrutura e melhor aproveitamento de meios digitais.
Principais críticas e riscos apontados
- Prejuízo ao padrão de formação
Para muitos especialistas, a remoção da carga horária mínima enfraquece a garantia de aprendizado estrutural, especialmente para quem nunca guiou. A advogada Fernanda Zucare, em entrevista à CNN, aponta risco de preparar motoristas menos qualificados.
- Setor tradicional em risco
Representantes das autoescolas estimam que até 15 mil unidades poderiam fechar as portas, e cerca de 300 mil postos de trabalho estariam ameaçados.
- Incerteza para candidatos e autoescolas
Mesmo antes de aprovado o projeto, já há cancelamentos de matrículas em autoescolas, com base apenas em anúncios na mídia.
- Possível aumento de acidentes
Críticos argumentam que o ensino obrigatório serve como um filtro educativo. Removê-lo pode levar a condutores com menos preparo nas ruas e rodovias.
- Falta de clareza nos detalhes técnicos
Ainda não estão definidas normas para credenciamento, fiscalização de instrutores autônomos, estrutura de provas e critérios de aprovação, pontos considerados fundamentais para segurança.
O que fazer agora?
- Fique atento quando for disponibilizada a consulta pública, para acompanhar o texto final da proposta (prazo estimado: 30 dias).
- Observe como sua autoescola local (ou no seu estado) se posiciona e se prepara para possíveis mudanças.
- Se você está em processo de habilitação, questione e converse com instrutores ou diretores de autoescola para saber como irão se adaptar.
- Acompanhe os detalhes da resolução do Contran que irá regulamentar o novo modelo, é nela que estarão as regras efetivas.
- Avalie com cuidado: mesmo que aulas se tornem facultativas, podem ser muito úteis para quem não tem prática ou domínio natural.
A proposta de tornar facultativa a autoescola na CNH não é apenas técnica, é política, social e simbólica. Representa um olhar para a desigualdade de acesso e uma aposta de que o desempenho no exame seja o filtro mais justo para quem merece dirigir. Mas não é uma aposta isenta de riscos: manter qualidade, segurança viária e proteger aqueles que dependem das aulas como base de formação será desafio central.
O tema é relevante também porque a mobilidade, o trânsito e a habilitação estão diretamente relacionados ao uso inteligente de serviços automotivos. Em um cenário de mudança, quem se antecipar estará mais preparado, e quem acompanhar com olhar crítico poderá compreender melhor os impactos no dia a dia.